sábado, 30 de novembro de 2013

Meios de comunicação e os movimentos sociais

Para o filósofo Pierre Lévy, os governantes brasileiros não ouviram as ruas


Imagem: Reprodução / Twitter

O filósofo Pierre Lévy já falava sobre inteligência coletiva antes mesmo da popularização da internet e da criação de comunidades virtuais e projetos como a Wikipédia. Em 2002, oito anos antes da Primavera Árabe, foi um dos primeiros a publicar um livro sobre ciberdemocracia, em que dizia que movimentos poderiam organizar-se pela web e desafiar o sistema político. A recente onda de manifestações no Brasil empolgou o filósofo, que participou delas pela internet, divulgando informações e palavras de ordem. “Os protestos foram muito positivos, houve uma tomada de consciência”, afirmou a ÉPOCA na semana passada, após participar do I Congresso Internacional de Net-Ativismo da Universidade de São Paulo (USP).


Para Lévy, a multiplicidade de expressões na internet enriquece a política e permite a formação de uma esfera pública mundial. “O monopólio das expressões públicas não existe mais. Todo mundo está se expressando pelas redes sociais. Essa é a verdadeira liberdade de expressão.” Mesmo com a ampla divulgação de textos e vídeos feitos por pessoas não ligadas aos grandes grupos de mídia, o filósofo não crê que os meios tradicionais de comunicação desaparecerão. “As coisas se tornam mais complexas.”

Nascido na Tunísia em 1956 e atualmente professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, Lévy continua a pesquisar o poder da inteligência coletiva. Hoje, um dos seus interesses é a customização do processamento de dados na internet. Governos, empresas e diferentes grupos precisarão, segundo ele, ser capazes de organizar grandes massas de dados (o chamado big data) para se orientar na realidade. Nas últimas eleições americanas, por exemplo, Barack Obama contava com uma equipe de engenheiros para levantar, filtrar e classificar informações sobre seus eleitores e, então, conduzir sua campanha. Lévy diz que, no futuro, todos os jogos de poder se darão pelo mundo dos softwares.

Qual é a sua avaliação sobre os protestos no Brasil?Eu nasci na Tunísia, depois me tornei francês e depois me tornei canadense. Eu sou um pouco tunisiano, um pouco francês, um pouco canadense e também um pouco brasileiro, porque eu venho aqui há 25 anos. Venho para cá a cada três anos e tenho muitos amigos aqui. Quando eu soube dos protestos no Brasil, que foram organizados pelas mídias sociais, eu entrei no Twitter e participei. Eu retuitei em português alguns temas dos protestos. Eu dei algumas entrevistas sobre isso, mas não muitas. Há muitos anos, a internet é uma nova ferramenta de expressão da população, uma nova forma de coordenar movimentos sociais. Eu achei ótimo que isso estava ocorrendo no Brasil, que também é meu país.

A violência dos protestos prejudica seus objetivos principais?De maneira geral, eu sou contra a violência. Jogar coquetéis molotov nas ruas não é algo bom. E também sou contra a violência da polícia. Existem algumas formas de mudar um governo: pode ser pela violência, pelos meios constitucionais e pela atuação de grupos políticos e pela liberdade de expressão. Vocês não estão combatendo a democracia, já estão nela. É bem diferente do que acontece nos países árabes. O que acontece aqui no Brasil não é pela democracia, e sim contra a corrupção, para que o país tenha melhores equipamentos e infraestrutura, melhores sistemas de saúde e de educação. Vocês já têm democracia, mas o que está bom para umas pessoas não está para outras.

Grandes mobilizações têm ocorrido sem a definição de líderes e sem uma lista unificada de demandas. É possível ter mudanças sociais profundas dessa maneira?No caso do Brasil, os protestos foram muito positivos, houve uma tomada de consciência. E havia uma agenda. Eu discordo de que não há listas de reivindicações. Houve protestos contra o aumento de tarifas do transporte público, por mais transparência dos governos e melhores serviços. Tem sido uma experiência muito importante e de evolução da sociedade brasileira.

Os governantes ouviram as vozes da população nas ruas?Uma das principais reivindicações dos protestos foi o fim da corrupção. Eles ouviram? A corrupção acabou? Não, eles não ouviram.

Com o amplo uso da internet e das redes sociais para publicar informações, os meios de comunicação de massa estão ameaçados?Eu odeio a mídia tradicional [risos]. A questão do monopólio das expressões públicas não existe mais. Todo mundo está se expressando pelas redes sociais. Essa é a verdadeira liberdade de expressão.

Os grandes grupos tendem a desaparecer?Todo o sistema se transformará e continuará a evoluir. Não existe isso de algo desaparecer e ser substituído por outra coisa completamente nova. Sempre surgem novas camadas, as coisas se tornam mais complexas. Se você tem Twitter, pode ver que as pessoas estão sempre publicando links de meios de comunicação tradicionais. E esses meios têm blogs e também têm perfis nas redes sociais. A mídia tradicional imita a redes sociais. E as redes sociais citam os meios tradicionais. Dessa forma, todo o sistema se torna mais complexo, como sempre.

A profissão de jornalista também está ameaçada?No século XVIII, o trabalho de milhares de pessoas era, unicamente, carregar água. Então, porque eu quero proteger o trabalho dessas pessoas, vou deixar de instalar encanamentos nas casas? No futuro, iremos precisar de pessoas que são muito competentes em comunicação em geral. Nós sempre vamos precisar delas.

Amanda Polato
Época


Fonte: http://www.folhapolitica.org/2013/11/para-o-filosofo-pierre-levy-os.html

Violência contra as Mulheres

Contra a violência física e simbólica às mulheres



Na sociedade em que vivemos, da maneira com que vivemos, os homens são autorizados a pensar e sentir que o corpo das mulheres não vale nada, que as mulheres são menos sujeito do que eles são

Por Jully Soares, no Blogueiras Feministas
Dentre todos os temas de discussão levantados pelas feministas, a violência contra as mulheres, em especial a violência doméstica, continua sendo o tema de maior impacto na sociedade. Seja para vender o seu produto através da “sedução” que a violência é capaz de realizar, seja para realmente provocar a população para perceber a gravidade da questão, a mídia tem colocado a violência contra as mulheres como pauta com bastante frequência, gerando quase um uníssono que diz: “nós não queremos a violência contra as mulheres”.
Às vezes, parece inclusive ser um assunto pautado até demais, podendo fazer algumas pessoas pensarem: “poxa, mas vocês vão falar disso mais uma vez?”. Mas, é interessante perceber que, por mais que se fale no assunto de maneira reiterada, já há décadas, ainda vemos todos os dias a violência sendo praticada contra as mulheres. É incrível, você pode perguntar a cada pessoa que conhece, quase todas dirão que conhecem alguma mulher que viveu ou vive em situação de violência.
Quadro O Rapto das Sabinas, de Pietro da Cortona
O fato de a violência contra as mulheres persistir, apesar de tantos esforços para freá-la, mostra o quanto está inserida – profundamente – em todas as relações sociais. Na maioria das vezes, pensamos nas mulheres que são agredidas fisicamente por seus parceiros e que denunciam isso ou, simplesmente, não conseguem esconder as agressões. Ou seja, na maior parte das vezes em que o assunto da violência contra a mulher vem à tona, a violência doméstica é aquela que recebe maior atenção.
Bem, talvez os dados do Mapa da Violência de 2012 aliados à vivência diária ajudem a compreender melhor o fenômeno. Em 2011, 71,8% das mulheres que sofreram violência física foram agredidas em suas residências, enquanto 43,4% (a maior porcentagem entre todas as categorias) foram agredidas por seus parceiros ou ex-parceiros. Também os casos de todos os dias, como o da mulher que teve os braços e perna cortados com facão pelo companheiro neste mês ou da que foi morta a marteladas no mês passado deixam a imagem da violência doméstica muito mais evidente para nós.
Entretanto, mais alguns dados do Mapa da Violência revelam ainda um pouco mais o assunto: numa análise quantitativa das mulheres – e meninas – que foram atendidas em 2011, como vítimas de violência física, podemos ver que a partir dos 10 anos os pais (não “pais e mães”; apenas “pais”) são os principais responsáveis pelas agressões. A partir dos 15 anos, pai e mãe deixam de ser os principais perpetradores, “passando a vez” para os namorados, companheiros e maridos das adolescentes e mulheres. A partir dos 60 anos, são os filhos os que assumem lugar de destaque nesse tipo de violência.
Surpresa? É como se ainda estivéssemos em séculos atrás, quando as mulheres pertenciam aos pais – aos homens –, passando depois a pertencer a seus maridos. É como se as mulheres fossem uma coisa formada de carne e de sentimentos de pouco valor. Carne e sentimentos que pudessem ser consumidos, usados ao bel-prazer dos homens, sem consequências. Uma carne que pode ser rasgada, cortada, usada para o prazer dos homens. Sentimentos que não precisam ser levados em conta porque, afinal, “são mulheres”. São “só mulheres.”
Essa outra face da violência, a violência simbólica, que não recebe a mesma atenção da mídia ou das conversas do dia-a-dia é, na verdade, a forma de violência que permite chegar à violência física contra as mulheres. Porque, na sociedade em que vivemos, da maneira com que vivemos, os homens são autorizados a pensar e sentir que o corpo das mulheres não vale nada, que as mulheres são menos sujeito do que eles são. Basta se atentar para a vida cotidiana. Das cantadas que nos fragmentam em peitos e bundas, em objetos de consumo do outro; às cobranças por sexo (mesmo que sem vontade); passando por atitudes que nos colocam como AS responsáveis pelos cuidados das pessoas, dos filhos e filhas, do trabalho doméstico.
O lugar de subalternidade tão conferido às mulheres carrega, na maioria das vezes, uma violência que incide sobre nós: calada, invisível, sorrateira. E, devido ao sexismo de cada dia, bem como ao domínio sobre as mulheres, se sentimos essa violência é porque somos “mulheres”. E se denunciamos essa violência, somos “mulherzinhas”. Se não denunciamos essa violência, somos “mulherzinhas” também.
No final das contas, seremos sempre “mulherzinhas”. Porque seremos sempre menos enquanto a sociedade inteira entender que existem apenas dois sexos (ou dois gêneros) e, que essa dualidade precisa necessariamente ser polarizada entre mais e menos, de maior ou de menor valor. A violência física dói muito, assusta e aterroriza. Mas, enquanto a violência simbólica não for considerada VIOLÊNCIA, a violência física continuará encontrando espaço para se fazer presente das piores maneiras possíveis, todos os dias.
Hoje, 25 de novembro, Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta Contra a Violência à Mulher e Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, precisamos dar atenção ao fato de que as mulheres sofrem violência todos os dias. Todos os dias. Por homens, por mulheres, pela mídia, pelo Estado, pela Igreja… Mas enquanto essas formas de violência simbólica não tiverem importância, dificilmente poderemos erradicar a violência física que também nos assombra diariamente.
Jully Soares é jovem pensadora e militante feminista, negra e bissexual. Escreve no blog Inspiração Política & Literária.

Fonte: http://revistaforum.com.br/blog/2013/11/contra-a-violencia-fisica-e-simbolica-as-mulheres/

Carta constitucional de 1824 - Confronto de poderes


Carta constitucional de 1824 já nasceu polêmica: arbítrio da Coroa ou modelo inovador de governo representativo?

Cecília Helena de Salles Oliveira

O texto constitucional de 1824 estabeleceu os fundamentos da organização do Estado monárquico e da nação durante o Império, mas, ao mesmo tempo, foi alvo de disputas, críticas e interpretações. Resultado das intensas lutas políticas que envolveram o movimento de Independência dois anos antes, o documento provocou inúmeras reações – na imprensa e entre os políticos – pelos princípios ali adotados e por ter sido outorgado por D. Pedro I, o que lhe valeu a denominação de Carta constitucional, e não Constituição.
Para diversos setores da sociedade brasileira à época, a experiência das Cortes em Lisboa, a separação de Portugal e a aclamação popular de Pedro I eram incompatíveis com o fechamento, em novembro de 1823, da Assembleia Constituinte. Mas foi sobretudo a inclusão do poder moderador, exercido exclusivamente pelo monarca, que alimentou vivas polêmicas até o final do Império.
A Carta foi redigida por um pequeno grupo de pessoas escolhidas a dedo por D. Pedro I: políticos de algumas das principais famílias de proprietários e negociantes radicadas na região Centro-Sul da América portuguesa, que desde a época de D. João VI ocupavam lugares importantes na administração pública e que tinham atuado na Assembleia Constituinte.  Na visão de membros de agremiações republicanas formadas no Brasil a partir de 1870, a Carta de 1824 era expressão do “absolutismo” de D. Pedro, manifestação cabal de que a Independência não trouxera mudanças substanciais nas relações de poder coloniais. Era um sinal do passado, da permanência da dinastia dos Bragança, das práticas “despóticas” herdadas da colonização portuguesa.
Por outro lado, diferentes intérpretes, a exemplo de José da Silva Lisboa, José Antônio Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, e Paulino José de Souza, o Visconde de Uruguai, interpretavam a Carta como equivalente a Constituições monárquicas da época, ou até mesmo mais perfeita do que outras. Segundo esta visão, o poder moderador não só era adequado aos princípios dos governos representativos, como também possibilitava um equilíbrio entre o Executivo e o Parlamento, permitindo que o arbítrio da Coroa garantisse a centralização político-administrativa e a alternância de grupos no poder.
Mas quais seriam os significados deste quarto poder, visto por muitos historiadores como a característica mais marcante da Carta constitucional do Império?
            Foi o pensador franco-suíço Benjamin Constant (1767/1830) um dos que mais discutiram a teoria de um quarto poder a ser exercido pelo rei (ou por um presidente), que se colocaria acima de arranjos político-partidários, definindo-se como esfera “neutra”. Constant teve enorme influência no debate em torno da organização de regimes constitucionais no início do século XIX. Mas suas propostas derivavam tanto de considerações de Montesquieu acerca do equilíbrio dos poderes quanto de análises sobre a monarquia inglesa, que servia como modelo para muitos dos políticos que viveram a Revolução Francesa.
Mesmo antes da Revolução discutia-se que lugar o monarca deveria ocupar na nova ordem que surgia da crise do Antigo Regime. Nos fins do século XVIII, pela primeira vez, era colocada em prática uma profunda transformação no exercício do poder: o monopólio do rei era quebrado por assembleias eleitas e por Constituições, textos escritos e aprovados por representantes da sociedade que asseguravam os direitos dos cidadãos e sua participação nos governos e nas decisões públicas.
Assim, definir uma nova estrutura de Estado e dos poderes políticos significava estabelecer quem poderia expressar a vontade soberana do povo. Significava suprimir práticas absolutistas, o que acarretou na França, entre outras circunstâncias, a decapitação do monarca. Constant aprofundou esta discussão, especialmente entre 1814 e 1815, quando foi chamado a apresentar um estudo sobre a Carta francesa outorgada por Luís XVIII em plena Restauração da monarquia. Nessa obra, denominada Princípios de Política, expôs longa argumentação a respeito da soberania da nação e do modo como poderia ser concretizada.
 Constant cogitava que se a soberania da nação estivesse concentrada nas mãos dos deputados que a representavam, o governante teria função subalterna, contentando-se em executar as decisões do Legislativo, não podendo dissolvê-lo ou vetar as leis ali aprovadas. Em compensação, se prevalecesse o entendimento de que também ao governante cabia uma parcela da soberania nacional, então ele interferiria no andamento da administração pública e da legislação, podendo vetar ou suspender as deliberações do Legislativo, compartilhando com os deputados o exercício da soberania da nação.
Afirmava ainda que o Parlamento não podia concentrar em suas mãos a soberania e o poder decisórios, sob pena de substituir-se o despotismo de um pelo de muitos, como havia ocorrido, a seu ver, no período do Terror revolucionário. Ao mesmo tempo, criticava o absolutismo monárquico, defendendo conquistas da Revolução, como a garantia de direitos, especialmente as liberdades individuais. Buscando um meio-termo, defendia repartir a soberania do Estado entre quatro poderes: o Legislativo, composto por uma câmara eleita e outra vitalícia; o Judiciário, composto por magistrados e juízes vitalícios; o Executivo, representado pelo governante, mas exercido por ministros responsáveis perante a nação, e um quarto poder, que preservava a majestade e a capacidade do rei de governar.
A finalidade do quarto poder seria manter o funcionamento dos demais, impedindo choques de atribuições, bem como o comprometimento da atuação do governo e do Estado em razão de conflitos de autoridade. Seria uma espécie de guardião dos interesses nacionais e dos cidadãos, agindo em todas as ocasiões em que ministros, parlamentares e juízes ultrapassassem seus respectivos campos de ação. Colocando o governante na condição de representante perpétuo do povo, Constant julgava-o capaz de atuar como poder “conservador”, pois deveria garantir o curso da administração e das políticas públicas, e como “moderador”, já que seria um freio a controlar os limites dos outros poderes. Mas havia uma condição essencial: Constant alertava para a diferença e a separação que deveriam existir entre o poder “neutro” ou “real” e o poder executivo ou ministerial. Ainda que os ministros fossem nomeados pelo rei, não deveria haver sobreposição ou ingerência de uma esfera de poder na outra. Somente assim o rei poderia agir como força reguladora e preservadora do equilíbrio político sem, no entanto, ser agente de violência.
Tratava-se de complexa engenharia política. O que prevaleceu nas Constituições europeias do início do século XIX foi a concepção de três poderes de Estado, alocando-se no Poder Executivo, chefiado pelo rei, muitas das atribuições que Constant identificou no “poder neutro”. Foi única exceção à Carta de 1826, outorgada em Portugal por D. Pedro, quando, após a morte de seu pai, D. João VI, abdicou do trono português em favor de sua filha, D. Maria da Glória. O documento, aliás, era praticamente o mesmo que fora jurado, em 1824, no Brasil.
            Ainda que seja comum considerar-se Constant como o grande inspirador da Carta de 1824, a leitura do texto revela que os legisladores brasileiros conferiram sentidos originais ao ideário político que vinha sendo discutido na Europa e na América desde os fins do século XVIII. Levaram em conta a experiência acumulada em Cádiz e que resultou na Constituição espanhola de 1812 e, sobretudo, o debate promovido nas Cortes de Lisboa em torno da Constituição portuguesa, promulgada em 1822 [Ver artigo “Ventos liberais para o oeste”, RHBN 86] e produzida com o auxílio de deputados brasileiros, antes que fosse oficializada a separação, em setembro daquele ano.
Também orientaram suas opções pelas condições políticas do momento: nem externa nem internamente a autoridade do governo estabelecido no Rio de Janeiro estava reconhecida. Tal situação demandava a urgente conclusão de um texto constitucional que legitimasse o Império recém-fundado e desse respaldo para o reconhecimento internacional, assim como para negociações com lideranças políticas que desconfiavam do constitucionalismo de D. Pedro.
Por outro lado, o trabalho realizado durante o funcionamento da Assembleia Constituinte foi inteiramente incorporado. Não seria possível ao governo remeter, em meados de dezembro de 1823, portanto cerca de um mês após o seu fechamento, o projeto constitucional para a apreciação das Câmaras das vilas e cidades do Império. Órgãos que representavam os direitos civis da população, as Câmaras foram chamadas para se manifestar como tentativa de diminuir as repercussões do fechamento e mostrar que o governo tinha interesse em ouvir as demandas da sociedade.
            No que diz respeito ao poder moderador, a Carta de 1824 determinava que a figura do Imperador era “inviolável e sagrada”, não estando “sujeita à responsabilidade alguma” . No exercício desse poder, o Imperador seria auxiliado por um Conselho de Estado e desempenharia as seguintes atribuições: nomear os senadores, escolhidos em listas tríplices pelos eleitores provinciais; convocar o Poder Legislativo extraordinariamente; sancionar decretos e resoluções do Poder Legislativo para que tivessem força de lei; aprovar ou suspender as resoluções dos conselhos provinciais; prorrogar ou adiar os trabalhos legislativos; dissolver a Câmara dos deputados “nos casos em que exigir a salvação do Estado”; nomear e demitir “livremente” os ministros de Estado; suspender magistrados acusados de irregularidades; perdoar ou moderar penas impostas a réus condenados; e conceder anistia.
Entretanto, como o Imperador também era o chefe do Poder Executivo, ainda que este fosse exercido pelos ministros, o documento não explicitava com todas as letras um dos pontos-chave da teoria de Constant, o da separação entre poder real e poder ministerial, e criava propositalmente ambiguidades sobre a esfera de atuação efetiva do monarca.
 Logo surgiram divergentes interpretações em torno da Carta. Elas podem ser entendidas como manifestações de projetos distintos do Império, de possibilidades históricas abertas com a Independência, em curso na primeira metade do século XIX.   Foram marcadas por conflitos nos quais ora o Estado se sobrepunha à nação, o que foi feito com a outorga da Carta de 1824, ora a nação enfrentava o Estado, como no momento da Abdicação, quando dentro e fora do Parlamento a sociedade cobrou de D. Pedro as liberdades prometidas com a Independência.
A partir de meados do século XIX, esse embate assumiu outros contornos, alimentado pela polêmica entre o princípio de que “o rei reina e não governa”, defendido por liberais, como Teófilo Ottoni (1807-1869), e o pressuposto de que o rei não só reina, mas governa e administra, defendido por conservadores, como o Visconde de Uruguai. Esta discussão manteve-se acesa até o final do Império e foi argumento poderoso usado pelos republicanos contra o regime monárquico.
Cecília Helena de Salles Oliveiraé professora titular no Museu Paulista da USP. Organizou, junto com Izabel Marson, Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil, 1780/1860. São Paulo, EDUSP, 2013.

Fonte:   http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/confronto-de-poderes

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

História da Mesopotâmia

História da Mesopotâmia
História da Mesopotâmia, Povos Mesopotâmicos, Assírios, Babilônios, Sumérios, Babilônia, Código de Hamurabi, Escrita Cuneiforme, Zigurate, Jardins Suspensos da Babilônia, Torre de Babel, economia, arquitetura, arte, administração, Caldeus

Modelo de um Zigurate
Introdução
A palavra mesopotâmia tem origem grega e significa " terra entre rios". Essa região localiza-se entre os rios Tigre e Eufrates no Oriente Médio, onde atualmente é o Iraque. Esta civilização é considerada uma das mais antigas da história.
 
Cidade Mesopotâmia

Principais povos
Vários povos antigos habitaram essa região entre os séculos V e I a.C. Entre estes povos, podemos destacar: babilônicos, assírios, sumérios, caldeus, amoritas e acádios. 
Características comuns
No geral, eram povos politeístas, pois acreditavam em vários deuses ligados à natureza. No que se refere à política, tinham uma forma de organização baseada na centralização de poder, onde apenas uma pessoa ( imperador ou rei ) comandava tudo. A economia destes povos era baseada na agricultura e no comércio nômade de caravanas.
Vantagens da região
Vale dizer que os povos da antiguidade buscavam regiões férteis, próximas a rios, para desenvolverem suas comunidades. Dentro desta perspectiva, a região da mesopotâmia era uma excelente opção, pois garantia a população:  água para consumo, rios para pescar e via de transporte pelos rios. Outro benefício oferecido pelos rios eram as cheias que  fertilizavam as margens, garantindo um ótimo local para a agricultura.
Sumérios
Este povo destacou-se na construção de um complexo sistema de controle da água dos rios. Construíram canais de irrigação, barragens e diques. A armazenagem da água era de fundamental importância para a sobrevivência das comunidades. Uma grande contribuição dos sumérios foi o desenvolvimento da escrita cuneiforme, por volta de 4000 a.C. Usavam placas de barro, onde cunhavam esta escrita. Muito do que sabemos hoje sobre este período da história, devemos as placas de argila com registros cotidianos, administrativos, econômicos e políticos da época.
Os sumérios, excelentes arquitetos e construtores, desenvolveram os zigurates. Estas construções eram em formato de pirâmides e serviam como locais de armazenagem de produtos agrícolas e também como templos religiosos. Construíram várias cidades importantes como, por exemplo: Ur, Nipur, Lagash e Eridu.
Babilônios
Este povo construiu suas cidades nas margens do rio Eufrates. Foram responsáveis por um dos primeiros códigos de leis que temos conhecimento.
Baseando-se nas Leis de Talião ( " olho por olho, dente por dente " ), o imperador de legislador Hamurabi desenvolveu um conjunto de leis para poder organizar e controlar a sociedade. De acordo com o Código de Hamurabi, todo criminoso deveria ser punido de uma forma proporcional ao delito cometido. 
Os babilônios também desenvolveram um rico e preciso calendário, cujo objetivo principal era conhecer mais sobre as cheias do rio Eufrates e também obter melhores condições para o desenvolvimento da agricultura. Excelentes observadores dos astros e com grande conhecimento de astronomia, desenvolveram um preciso relógio de sol.
Além de Hamurabi, um outro imperador que se tornou conhecido por sua administração foi Nabucodonosor II, responsável pela construção dos Jardins suspensos da Babilônia (que fez para satisfazer sua esposa) e a Torre de Babel (zigurate vertical de 90 metros de altura). Sob seu comando, os babilônios chegaram a conquistar o povo hebreu e a cidade de Jerusalém.
 
Jardim suspensos da Babilônia
Assírios
Este povo destacou-se pela organização e desenvolvimento de uma cultura militar. Encaravam a guerra como uma das principais formas de conquistar poder e desenvolver a sociedade. Eram extremamente cruéis com os povos inimigos que conquistavam. Impunham aos vencidos, castigos e crueldades como uma forma de manter respeito e espalhar o medo entre os outros povos. Com estas atitudes, tiveram que enfrentar uma série de revoltas populares nas regiões que conquistavam.
Caldeus
Os caldeus habitaram a região conhecida como Baixa Mesopotâmia no primeiro milênio antes de Cristo. Eram de origem semita. O imperador caldeu mais importante foi Nabucodonosor II. Após a morte deste imperador, o império babilônico foi conquistado pelos Persas.

Baixa Mesopotâmia

Por volta de 3100-2900, na época inicial do bronze, a baixa mesopotâmia  já se apresentava urbanizada, e apresentava 14 cidades que subordinavam outra menores e numerosas aldeias. Trata-se, de fato, da mais antiga região urbanizada do mundo, assim, sendo a pioneira no processo de urbanização, sem ter um modelo à seguir. Soluções tiveram que ser encontradas para os problemas que iam aparecendo ao logo de 4 milênios enquanto o modo de vida urbano era consolidado, explicando a longevidade do processo.
baixa Mesopotâmia

No Egito, aonde a urbanização demorou 2,5mil anos, se cogita à possibilidade de terem aprendido o processo com os mesopotâmicos. Dentre as dificuldades encontradas pelos Mesopotâmicos, foi a dependência dos rios para a agricultura. Eles se encontravam em vazante no periodo de semear, e em cheia na época em que os cereais já estavam crescidos. Essas necessidades levaram à criação de sistemas de diques, barragens, canais de irrigação e drenagem, que dependiam de um enorme esforço para manutenção. Há comprovação arqueológica de que desde a pré história os Mesopotâmicos efetuavam comércio, às vezes com povos distantes, conseguindo assim materiais como ferro para a metalurgia, pedra, madeira, etc... .
Pesquisadores defendem a hipótese de que os primeiros órgãos estatais foram os templos, mas outros defendem a hipótese de que, desde sua formação, as instituições eram controladas por dois orgãos posteriores: O conselho de anciãos e a assembléia dos homens livres. O surgimento, comprovado por provas documentais da época, de templos administrativos ocorreu ainda no quarto milênio, mas o palácio real só apareceu no terceiro milênio.
Essa explicação é necessária para diferenciar a baixa mesopotâmia do início dos tempos históricos, aonde surgem as primeiras fontes escritas detalhadas. No terceiro milênio, a Baixa Mesopotâmia era dividida em duas partes: Os Sumérios, que falavam o sumério ,língua abandonada em 1900 a.c e o país de Akkad, aonde era falado o Acádio,
língua pertencente ao grupo semita que prevaleceria na região. Mas o que chama mais atenção à Mesopotâmia é sua homogeniedade cultural, apesar das duas línguas faladas. As cidades Mesopotâmicas eram constituidas de três partes: A cidade amuralhada, a cidade externa (fora dos muros) e o porto fluvial, que servia para o comércio externo.
 
A monarquia na mesopotâmia ocorreu de forma ocasional e eletiva em primeira instância, mas o monarca deveria consultar o conselho e a assembléia antes de ir à guerra. Na segunda metade do terceiro milênio, o rei passa à residir em um palácio completamente separado do templo, e já não carrega consigo a função de sumo-sacerdote, mas um dos pré-requisitos para a monarquia era ter o controle da cidade de Nippur, cujo santuário era o centro religioso da Suméria. Um dos fatores essenciais para o surgimento da monarquia permantente, hereditária e separada do templo foi o comando militar, necessário para a defesa das cidades e rotas marítimas e para os saques e pilhagens de outras cidades. As funções administrativas do templo, do conselho e da assembléia foram diminuindo à medida que o poder monárquico aumentou, esse tendo responsabilidades até na supervisão das obras de irrigação.
O primeiro governo que podemos denominar de império, foi criado por Sargão I, de Akkad, que unificou a mesopotâmia e seus arredores imediatos, fundando uma capital, denominada Akkad ou Agadé. Tal império não durou muito, em função de ataques externos e revoltas internas. Ao fim do terceiro milênio, a monarquia estava bem consolidada na mesopotâmia. O palácio se tornara, economicamente e politicamente, mais poderoso que o templo.
No entanto, durante o período de apogeu imperial, o poder monárquico mesopotâmico nunca se aproximou do poder monárquico egípcio. A religião mesopotâmica era politeísta, algumas delas geraram legado para outras culturas, como Inanna, inspiração para a Athena grega. Na concepção mesopotâmica, não existia separação entre o mundo natural e sobrenatural, tudo era dotado de vontade própria. A própria monarquia é uma criação divina na concepção mesopotâmica. Existiam, basicamente, 3 vertentes religiosas conhecidas: a religião sacerdotal dos templos, a religião monárquica, que se reservava às funções religiosas do monarca, com bastante fontes de pesquisa, e a religião popular, bastante desconhecida.
As maiores divindades sumero-arcadianas eram Anu, Enlil, Enki, Ninhursag ou Nitu, Nanna ou Sin, Utu, e Innana. Cada grande deus tinha um santuário principal situado em apenas uma das principais cidades-estado (embora cultuados em toda a mesopotâmia). Eram organizados festivais religiosos,que contavam com a presença do rei em pessoa. Os sacerdotes se organizavam hierarquicamente e seguiam uma rígida divisão do trabalho. O rei era classificado um representante ou capataz dos deuses, e devia consultar os sacerdotes para interpretar mensagens divinas que lhe chegavam.
Religião na Mesopotâmia
A mesopotâmia é uma região de planalto de origem vulcânica localizada no oriente médio, entre os vales do tio tigres e eufrates, e que hoje é definido como o território do Iraque.
Foi considerada uma sociedade muito organizada e que é conhecida pelas inúmeras cidades–estados que rodeavam os vales dos rios Tigre e Eufrates. Tais cidades eram muito parecidas com as cidades gregas em termos de independência e autonomia.
Na questão religiosa a Mesopotâmia era bastante diversificada, onde estavam presentes várias crenças e divindades. Muitas delas podem ser encontradas nas formas mais variadas, podendo ter sua imagem vinculada a figura humana, ou, como na maioria das vezes, tinha caracteristicas relacionadas a elementos da natureza.
Podemos citar aqui algumas dessas divindades como Shamash, que era considerado o deus do sol e da justiça. Anu, considerado senhor dos céus. Sin, considerado deusa da lua. E Ishtar, considerada deus da guerra e do amor.
Uma caracteristica importante da religião mesopotamica é que ela propria tinha característica dualista, onde era possivel encontrar sempre o bom e o ruim, o bem e o mal e buscando sempre tentar compreender essa relação, utilizavam de métodos não convencionais para uma religião como a adivinhação, a magia, e a astrologia.
A religião mesopotamica também permitia que em diversas cidades de seu domínio, acreditasse fielmente na vida após a morte e assim desenvolveram vários ritos funenários. Tinham o costume de enterrarem os mortos com alguns objetos pessoais dentro da tumba, e uma outra caracteristica interessante de ser citada é que atraves da própria tumba onde o falecido foi colocado poderia nos indicar a condição financeira dele e da família. Ou seja, se o defunto fosse rico, obviamente sua tumba seria mais requintada do que de um pobre mesopotamico.
A morte  parecia ter uma grande importância nessa cultura, fato que nos levam a concluir isso é a observação de sua literatura, onde através de narrativas miticas escritas por eles podemos localizar a sua crença de que os mortos passavam para um mundo subterrâneo, mostrando a crença na morte como algo místico.
Misticismo que também é muito encontrado na literatura mesopotamica, onde no texto “O mito da criação” relatam a origem do mundo através de feitos de Marduk, que era uma das principais divindades mesopotamicas. Podemos citar também o texto “Epopeia de Gilgamesh” onde relatam algumas aventuras de um gigante que teria controlado uma cidade chamada Uruk.
Cidade mais conhecida da região da Mesopotâmia, Babilônia  é tida para muitos historiadores como o berço da civilização pelos grandes avanços sociais, econômicos, políticos e culturais.
Os primeiros povos mesopotâmicos chegaram há mais de 5.000 anos atrás das montanhas da Ásia central a procura de territórios férteis próximos aos rios, para fixarem moradia. Por volta do século XIX a.C., os amoritas derrotaram os sumérios e acádios que dominavam a Mesopotâmia. Oriundos do sul do deserto árabe, construíram a cidade-Estado  de Babilônia, formando o Primeiro Império Babilônico.
No século XVIII a.C., o rei babilônio Hamurábi  conseguiu unificar o povo e expandir seu domínio para além do Golfo Pérsico, possibilitando grandes avanços na agricultura - através da canalização dos rios - e na arquitetura babilônica - criando grandes templos luxuosos, como os zigurates, para venerar o deus Marduk.
É de autoria de Hamurábi o primeiro código de leis do mundo. Baseado nas Leis de Talião – “olho por olho, dente por dente” -, o Código de Hamurábi estabelecia punição aos crimes conforme a gravidade do delito. Por exemplo, no artigo 218 “se um médico fizer uma larga incisão com uma faca de operações e matar o paciente, suas mãos devem ser cortadas”. As punições não eram as mesmas se fossem para os escravos: eles estavam vulneráveis a sofrerem os piores castigos, pois eram tratados como números.
Com a morte de Hamurábi, seguiu-se uma grande instabilidade política na Babilônia, facilitando a invasão e domínio dos cassitas. Entre 1300 a.C. e 630 a.C., os assírios promoveram inúmeras guerras no território mesopotâmico, esbanjando força bélica. Tanto preparo para o combate e grande repressão no trato com seus inimigos não demoraria a mostrar o ponto fraco dos assírios: a administração.
As invasões assírias provocaram grandes revoltas civis nos territórios ocupados, deixando as cidades mesopotâmicas vulneráveis à invasão dos caldeus, sob liderança do monarca Nabopossalar. Ele unificou os territórios e deu início ao Segundo Império Babilônico ou Império Neobabilônico.
Sete anos depois, após a morte de Nabopossalar, seu filho Nabucodonosor assume e faz o possível para expandir seu domínio pela Mesopotâmia. Investindo pesado no seu exército, lutou por mais de trinta anos para conquistar os territórios do Egito, Assíria, Jerusalém, Fenícia, parte da Arábia, Palestina, Síria e Elam, tornando-se a maior liderança do Oriente Médio da Antiguidade. Em seu governo, que durou de 604 a.C. a 562 a.C., Nabucodonosor protegeu Babilônia com muralhas pela cidade e impulsionou o desenvolvimento arquitetônico com luxuosos palácios para os funcionários públicos, a Torre de Babel, citada no Antigo Testamento da Bíblia, e os Jardins Suspensos da Babilônia, famosa por ser uma das Sete Maravilhas da Antiguidade. No ano de 539 a.C., os persas invadiram a Babilônia e dominaram todo o território da Mesopotâmia, com o forte exército liderado por Ciro, o Grande. 
Torre de Babel

http://www.infoescola.com/historia/mesopotamia/
http://www.suapesquisa.com/mesopotamia/

O Cavalo de Tróia realmente existiu?

O Cavalo de Tróia realmente existiu?


Ninguém sabe ao certo, mas provavelmente não. Evidências sobre a existência da cidade de Tróia e sobre uma guerra entre ela e os gregos até já foram encontradas, mas sobre o lendário cavalo, nada. Entretanto, essa história é tão boa que conquistou até Hollywood: no filme Tróia, o eqüino mitológico divide as atenções com o astro Brad Pitt. O artifício grego de construir um enorme cavalo de madeira, recheá-lo de soldados e abandoná-lo diante das muralhas de Tróia é descrito em detalhes no poema épico Eneida, do poeta latino Virgílio. Ele conta como os gregos, fingindo abandonar a guerra, retiraram-se para uma ilha próxima, deixando o cavalo como oferenda a Atena, deusa protetora de Tróia. Os troianos acolheram o presente e, durante a noite, os guerreiros que estavam dentro dele abriram as portas da cidade para a entrada do exército grego, que massacrou os rivais. Outros relatos sobre essa fantástica história são atribuídos ao poeta Homero, mas a própria existência do escritor como personagem histórico é incerta. Se o cavalo de fato existiu, deve ter sido construído por volta do ano 1250 a.C., quando teria ocorrido a famosa guerra, no litoral oeste da atual Turquia. "Vários sítios da atual costa turca foram destruídos entre os séculos 12 e 13 a.C. Ou seja, os poemas reduzem a uma cidade acontecimentos que abalaram toda a região na época", diz a historiadora Maria Cristina Kormikiaria, da Universidade de São Paulo (USP). Real ou não, o Cavalo de Tróia teve um papel fundamental. "Ele foi um símbolo de guerra importante para os gregos. Há quem se refira a ele como o primeiro tanque de guerra da humanidade", diz outra historiadora, Margarida Maria de Carvalho, da Unesp de Franca (SP). 

 

Fonte:http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-cavalo-de-troia-realmente-existiu?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_mundoestranho

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Real e especial: princesa Maria Christina

Real e especial: princesa Maria Christina




O Brasil tem a única família real do mundo a ter um integrante com a síndrome de Down. O tataraneto de Dom Pedro II, o príncipe Dom João de Orleans e Bragança e sua mulher, Dona Stella, são pais de dois filhos, João Phillipe, e Maria Christina, a Killy (apelido surgido de 'minha querida'), e que nasceu com a síndrome.
A família real brasileira é engajadíssima com o fotógrafo e surfista Dom Joãozinho, famoso por seus trabalhos de resgate histórico e interesse ambientalista, e Dona Stella, uma renomada arquiteta e ativa presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down ("São mais de 50 associações atualmente. Há três anos, éramos quatro").
Os Orleans e Bragança receberam a BBC Brasil em sua casa, no Rio, decorada por objetos como a mesa onde a princesa Isabel assinou a lei que aboliu a escravatura no país e, com muito entusiasmo, falaram de Maria Christina.
Maria Christina estuda numa escola regular e, junto com a mãe, mostrou álbuns de fotografias e falou do que gosta e do que não gosta. "O que me deixa feliz é jogar bola, brincar na piscina, bater papo, brincar com a minha babá, Daisy, ir para a praça...", diz a princesa.
"O que me dá dor de cabeça e me deixa cansada é que meu irmão, quando vai ao colégio, ele fica me acordando", reclama Maria Christina.


Fonte:  http://www.terra.com.br/saude/vidasaudavel/2003/09/02/019.htm

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL


PERÍODO DA SEGUNDA REPÚBLICA

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)


A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO GOVERNO


      Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes...
      Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência de um problema sobre objetivos e fins da educação". Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las para uma direção, o pólo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam, na sua organização e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes para a realização da obra educacional.
      Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins de educação, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social", e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.

      Movimento de renovação educacional
      À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores, nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão prodigiosamente rotineiros, enquanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar na América espanhola, já se operavam transformações profundas no aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades lucidamente descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a república, há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e os processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Porque a escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender o seu raio de influência e de ação?
      Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador inaugurou uma série fecunda de combates de idéias, agitando o ambiente para as primeiras reformas impelidas para urna nova direção. Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que esses debates testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas idéias e transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se despertava a consciência de que, para dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas e largas, a um conjunto de idéias abstratas e de princípios gerais, com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no Distrito Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal que, modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a favor, todo o mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma idéia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se completam: a força das idéias e a irradiação dos fatos.

      Diretrizes que se esclarecem
      Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério, o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteiramente aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da nova geração ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de um labirinto de idéias vagas, fora de seu alcance, e certamente, acima de sua experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram, imaginam muitos que possuem as idéias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora nacional, que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram posição na vanguarda da campanha de renovação educacional, cabia o dever de formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra a escola tradicional.

      Reformas e a Reforma
      Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores, e se não se encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já observou Alberto Torres, princípios e idéias não passam, entre nós, de "bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito pessoal ou político". Ilustrados, as vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos bastante as idéias para se tornarem um núcleo de convicções ou um sistema de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam desencadear-se aqueles "que pensaram sua vida e viveram seu pensamento". A interpenetração profunda que já se estabeleceu, em esforços constantes, entre as nossas idéias e convicções e a nossa vida de educadores, em qualquer setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa atividade já denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a obra de reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo fácil, mas com a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação. Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central da estrutura política e social da nação.
      Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a falta de uma visão global do problema educativo, a força inspiradora ou a energia estimulante mudou apenas de forma, dando soluções diferentes aos problemas particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das reformas que o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e climatérico, ou se o quiserdes, à linha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. As surpresas e os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa obra, por um plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar no estado fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas, cujos blocos enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que os levantaram, e que a morte surpreendeu antes do cortamento de seus esforços...

      Finalidades da educação
      Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil". O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, "desenvolver de maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre intervém para transformar, isto implica nele a representação de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar os jovens espíritos". Esse ideal e aspiração dos adultos toma-se mesmo mais fácil de apreender exatamente quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo trabalho a que a sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão primordial das finalidades da educação gira, pois, em torno de uma concepção da vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns consideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo e no espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real desse ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da época, extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria natureza da realidade social.
      Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo.
      A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade socialmente útil", conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada, reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classes.

      Valores mutáveis e valores permanentes
      Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se rompeu nem está a pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis e os valores permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins particulares de determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações de classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi sempre a maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer homens cultivados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo através das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes "valores permanentes" que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? Um vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o "desdém pela multidão". Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a sorte de todas as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se se quer servir à humanidade, é preciso estar em comunhão com ela...
      Certo, a doutrina de educação, que se apoia no respeito da personalidade humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado. "A alma tem uma potência de milhões de cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verdades matemáticas se perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem duvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem perdesse uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que pereceria". Mas, a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos antes homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz insuspeita de Paul Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos homens, e a verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolução, que tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente a totalidade de seus efeitos".

      O Estado em face da educação
      a) A educação, uma função essencialmente pública
      Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição progressiva das atribuições da família, - que também deixou de ser "um centro de produção" para ser apenas um "centro de consumo", em face da nova concorrência dos grupos profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de interesses especializados", - fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou a "função específica", dentro do "foco interior", embora cada vez mais estreito, em que ela se confinou. Ela é ainda o "quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-se as suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais - a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções diversas e ás vezes opostas.

      b) A questão da escola única
      Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única", que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais. Em nosso regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância as instituições privadas idôneas, a "escola única" se entenderá, entre nós, não como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos.

      c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação
      A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem", cuja educação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo outras separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação.

      A função educacional
      a) A unidade da função educacional
      A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino, com todas as suas conseqüências. De fato, se a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser considerada "uma só" a função educacional, cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento, "que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer ao panorama das instituições escolares perspectivas mais largas, mais salutares e mais fecundas em conseqüências do que esse que decorre logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador que modifica profundamente a estrutura intima e a organização dos elementos constitutivos do ensino e dos sistemas escolares.

      b) A autonomia da função educacional
      Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da formação integral das novas gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente ameaçadas, senão reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis acautelar contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas funções biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que resulta, para a educação pública, de influencias e intervenções estranhas que conseguiram sujeita-la a seus ideais secundários e interesses subalternos. Dai decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica, administrativa e econômica, com que os técnicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por isto, a direção e administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isto, sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações" do interesse dos governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.

      c) A descentralização
      A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas despesas escolares afim de produzir os maiores resultados com as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e iniciativas.

      O processo educativo
      O conceito e os fundamentos da educação nova
      O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova educação, ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela deve prosseguir os processos apropriados para realizá-los. A extensão e a riqueza que atualmente alcança por toda a parte o estudo científico e experimental da educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente científico e organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda de pesquisas e experiências, os princípios da educação nova, pressentidos e às vezes formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus precursores. A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora", substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades".
      Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da atividade educativa às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas". É certo que, deslocando-se por esta forma, para a criança e para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica psicológica", isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito infantil.
      Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e o meio de realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar, experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um "mundo natural e social embrionário", um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional, inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma comunidade palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem as funções predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e possibilidades. "A vida da sociedade, observou Paulsen, se modifica em função da sua economia, e a energia individual e coletiva se manifesta pela sua produção material". A escola nova, que tem de obedecer a esta lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.

      Plano de reconstrução educacional
      a) As linhas gerais do plano
      Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa, como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os seus graus, tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das necessidades nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se esboçam aqui apenas as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode chamar sistema), caracterizado pela falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim particular", próprio, dentro da "unidade do fim geral da educação" e dos princípios e métodos comuns a todos os graus e instituições educativas. De fato, o divorcio entre as entidades que mantêm o ensino primário e profissional e as que mantêm o ensino secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como já observou um dos signatários deste manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de estratificação social".
      A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A escola secundária deixará de ser assim a velha escola de "um grupo social", destinada a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o mesmo princípio que faz alargar o campo educativo das Universidades, em que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões chamadas "liberais", se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada, para as profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza econômica e industrial. Mas esse princípio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à variedade e às necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as às suas próprias fontes de renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação livre, de pesquisa científica e de cultura desinteressada.
      A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de Alberto Torres, senão um "sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo". É preciso, para reagir contra esses males, já tão lucidamente apontados, pôr em via de solução o problema educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos centros industriais já pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola do trabalho profissional, baseada no exercício normal do trabalho em cooperação, já pela adaptação crescente dessas escolas (primária e secundária profissional) às necessidades regionais e às profissões e indústrias dominantes no meio. A nova política educacional rompendo, de um lado, contra a formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar um caráter científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da escola, em relação ao meio social, impõe reformas profundas, orientadas no sentido da produção e procura reforçar, por todos os meios, a intenção e o valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais. A arte e a literatura tem efetivamente uma significação social, profunda e múltipla; a aproximação dos homens, a sua organização em uma coletividade unânime, a difusão de tais ou quais idéias sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a extensão do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem certamente à arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a riqueza do homem aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco, os produtores intelectuais não passam para o primeiro plano senão quando as sociedades se organizam em sólidas bases econômicas.

      b) O ponto nevrálgico da questão
      A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (l2 a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio).
      Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto a escola primária servia à classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que a escola secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e à variedade crescente de aptidões que a observação psicológica regista nos adolescentes e que "representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior". A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social.

      c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil
      A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas. Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das ciências e das artes.
      No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema nervoso da Universidade", que estimula e domina qualquer outra função; com ser esse espírito de profundidade e universalidade, que imprime à educação superior um caráter universitário, pondo-a em condições de contribuir para o aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior nunca ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições, organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente subordinada à arte ou à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta do que no império, é hoje, na frase de Alberto Torres, "mais vaga, fluida, sem assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes inspirar atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de uma educação secundária sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensamento ganha em extensão o que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em que devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudição, e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem substância, dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de conhecimentos.
      Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira geração nascida com a república, no seu esforço heróico para adquirir a posse de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos os males educativos de que se viciou a sua formação. A organização de Universidades é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos, sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse "estado de ânimo nacional", capaz de dar força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no conjunto de suas instituições de alta cultura, prepostas ao estudo científico dos grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das idéias; a ignorância "da mais humana de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil de substituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados.

      d) O problema dos melhores
      De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o problema fundamental das democracias é a educação das massas populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo conceito de educação repele as elites formadas artificialmente "por diferenciação econômica" ou sob o critério da independência econômica, que não é nem pode ser hoje elemento necessário para fazer parte delas. A primeira condição para que uma elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser "inteiramente aberta" e não somente de admitir todas as capacidades novas, como também de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os indivíduos que não desempenham a função social que lhes é atribuída no interesse da coletividade. Mas, não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão especial e tanto mais perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a variedade dos problemas que põe a complexidade das sociedades modernas. Essa seleção que se deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela diferenciação de todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a ação biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão pela obra universitária que, elevando ao máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões naturais e selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social.

      A unidade de formação de professores e a unidade de espírito
      Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao qual, escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função pública da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, que receberam, uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário, preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e, as vezes misto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades. A tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação dos graus de ensino, e que a linguagem fixou em denominações diferentes (mestre, professor e catedrático), é inteiramente contrária ao princípio da unidade da função educacional, que, aplicado, às funções docentes, importa na incorporação dos estudos do magistério às universidades, e, portanto, na libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores.
      A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmití-la. Nós não temos o feiticismo mas o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível senão quando se criou esse "espírito", esse "ideal comum", pela unificação, para todos os graus do ensino, da formação do magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria mais lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as injustiças da situação atual. Os professores de ensino primário e secundário, assim formados, em escolas ou cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridade em gérmen, pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.

      O papel da escola na vida e a sua função social
      Mas, ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança começaram a dar à educação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxeram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssimas, são, de fato, as influências que formam o homem através da existência. "Há a herança que a escola da espécie, como já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de todas as escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças incalculáveis". Compreender, então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona luminosa é singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação consciente que são as escolas, não são senão pontos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada".
      Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As instituições periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. Essas instituições de educação e cultura, dos jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa, larga e fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto sistemático de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em tomo de si as famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da educação.
      Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo a comunidade como à fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital. À escola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e atividades educativas.

      A democracia, - um programa de longos deveres
      Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem que apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas proporções. Mas, temos, com a consciência profunda de uma por uma dessas dificuldades, a disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos, como estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências mais agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades, que um homem tenha vivido desde que há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases científicas, e que seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio, tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se os problemas de educação devem ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não tem pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as latitudes, a obra de educação deve ter, em toda a parte, uma "unidade fundamental", dentro da variedade de sistemas resultantes da adaptação a novos ambientes dessas idéias e aspirações que, sendo estruturalmente científicas e humanas, têm um caráter universal. É preciso, certamente, tempo para que as camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral sejam tocadas pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante e fecundo para lhe modificar os pontos de vista e as atitudes em face do problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo ou por partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância de uma nova política de educação.
      Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão abater-nos a resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no Brasil. Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas, caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do Brasil, na base de uma educação inteiramente nova. A hora crítica e decisiva que vivemos, não nos permite hesitar um momento diante da tremenda tarefa que nos impõe a consciência, cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos para enfrentarmos com o evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos problemas postos pelas sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito. Devemos, antes de tudo proporcionar-nos um espírito firme e seguro; chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e como envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que sirvam para regular, de um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações; vida e pensamento devem ser em nós outros de uma só peça e formar um todo penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um caráter, e refletir, pelo movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes acontecimentos de nossos dias, sua relação conosco e o que podemos esperar deles. É preciso formar uma opinião clara e penetrante e responder a esses problemas sim ou não de um modo decidido e inabalável".
      Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há mais de um século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o caminho de sua salvação pela obra educacional, em um daqueles famosos "discursos à nação alemã", pronunciados de sua cátedra, enquanto sob as janelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores franceses... Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de fundas transformações no regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de cooperação. "O ideal da democracia que, - escrevia Gustave Belot em 1919, - parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que parecia coisa feita e realizada revelou-se como um caminho a seguir e como um programa de longos deveres". Mas, de todos os deveres que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas conseqüências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana.
 

Fernando de Azevedo
Afranio Peixoto
A. de Sampaio Doria
Anisio Spinola Teixeira
M. Bergstrom Lourenço Filho
Roquette Pinto
J. G. Frota Pessôa
Julio de Mesquita Filho
Raul Briquet
Mario Casassanta
C. Delgado de Carvalho
A. Ferreira de Almeida Jr.
J. P. Fontenelle
Roldão Lopes de Barros
Noemy M. da Silveira
Hermes Lima
Attilio Vivacqua
Francisco Venancio Filho
Paulo Maranhão
Cecilia Meirelles
Edgar Sussekind de Mendonça
Armanda Alvaro Alberto
Garcia de Rezende
Nobrega da Cunha
Paschoal Lemme
Raul Gomes.


Fonte:  http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm