Contra a violência
física e simbólica às mulheres
Na sociedade em que vivemos, da maneira com que vivemos, os homens são autorizados a pensar e sentir que o corpo das mulheres não vale nada, que as mulheres são menos sujeito do que eles são
Por Jully Soares, no Blogueiras
Feministas
Dentre todos os temas de discussão levantados
pelas feministas, a violência contra as mulheres, em especial a
violência doméstica, continua sendo o tema de maior impacto na
sociedade. Seja para vender o seu produto através da “sedução”
que a violência é capaz de realizar, seja para realmente provocar a
população para perceber a gravidade da questão, a mídia tem
colocado a violência contra as mulheres como pauta com bastante
frequência, gerando quase um uníssono que diz: “nós não
queremos a violência contra as mulheres”.
Às vezes, parece inclusive ser um assunto pautado
até demais, podendo fazer algumas pessoas pensarem: “poxa, mas
vocês vão falar disso mais uma vez?”. Mas, é interessante
perceber que, por mais que se fale no assunto de maneira reiterada,
já há décadas, ainda vemos todos os dias a violência sendo
praticada contra as mulheres. É incrível, você pode perguntar a
cada pessoa que conhece, quase todas dirão que conhecem alguma
mulher que viveu ou vive em situação de violência.
O fato de a violência contra as mulheres
persistir, apesar de tantos esforços para freá-la, mostra o quanto
está inserida – profundamente – em todas as relações sociais.
Na maioria das vezes, pensamos nas mulheres que são agredidas
fisicamente por seus parceiros e que denunciam isso ou, simplesmente,
não conseguem esconder as agressões. Ou seja, na maior parte das
vezes em que o assunto da violência contra a mulher vem à tona, a
violência doméstica é aquela que recebe maior atenção.
Bem, talvez os dados do Mapa
da Violência de 2012 aliados à vivência diária ajudem a
compreender melhor o fenômeno. Em 2011, 71,8% das mulheres que
sofreram violência física foram agredidas em suas residências,
enquanto 43,4% (a maior porcentagem entre todas as categorias) foram
agredidas por seus parceiros ou ex-parceiros. Também os casos de
todos os dias, como o da mulher
que teve os braços e perna cortados com facão pelo companheiro
neste mês ou da que foi morta
a marteladas no mês passado deixam a imagem da violência
doméstica muito mais evidente para nós.
Entretanto, mais alguns dados do Mapa da Violência
revelam ainda um pouco mais o assunto: numa análise quantitativa das
mulheres – e meninas – que foram atendidas em 2011, como vítimas
de violência física, podemos ver que a partir dos 10 anos os pais
(não “pais e mães”; apenas “pais”) são os principais
responsáveis pelas agressões. A partir dos 15 anos, pai e mãe
deixam de ser os principais perpetradores, “passando a vez” para
os namorados, companheiros e maridos das adolescentes e mulheres. A
partir dos 60 anos, são os filhos os que assumem lugar de destaque
nesse tipo de violência.
Surpresa? É como se ainda estivéssemos em
séculos atrás, quando as mulheres pertenciam aos pais – aos
homens –, passando depois a pertencer a seus maridos. É como se as
mulheres fossem uma coisa formada de carne e de sentimentos de pouco
valor. Carne e sentimentos que pudessem ser consumidos, usados ao
bel-prazer dos homens, sem consequências. Uma carne que pode ser
rasgada, cortada, usada para o prazer dos homens. Sentimentos que não
precisam ser levados em conta porque, afinal, “são mulheres”.
São “só mulheres.”
Essa outra face da violência, a violência
simbólica, que não recebe a mesma atenção da mídia ou das
conversas do dia-a-dia é, na verdade, a forma de violência que
permite chegar à violência física contra as mulheres. Porque, na
sociedade em que vivemos, da maneira com que vivemos, os homens são
autorizados a pensar e sentir que o corpo das mulheres não vale
nada, que as mulheres são menos sujeito do que eles são. Basta se
atentar para a vida cotidiana. Das cantadas que nos fragmentam em
peitos e bundas, em objetos de consumo do outro; às cobranças por
sexo (mesmo que sem vontade); passando por atitudes que nos colocam
como AS responsáveis pelos cuidados das pessoas, dos filhos e
filhas, do trabalho doméstico.
O lugar de subalternidade tão conferido às
mulheres carrega, na maioria das vezes, uma violência que incide
sobre nós: calada, invisível, sorrateira. E, devido ao sexismo de
cada dia, bem como ao domínio sobre as mulheres, se sentimos essa
violência é porque somos “mulheres”. E se denunciamos essa
violência, somos “mulherzinhas”. Se não denunciamos essa
violência, somos “mulherzinhas” também.
No final das contas, seremos sempre
“mulherzinhas”. Porque seremos sempre menos enquanto a sociedade
inteira entender que existem apenas dois sexos (ou dois gêneros) e,
que essa dualidade precisa necessariamente ser polarizada entre mais
e menos, de maior ou de menor valor. A violência física dói muito,
assusta e aterroriza. Mas, enquanto a violência simbólica não for
considerada VIOLÊNCIA, a violência física continuará encontrando
espaço para se fazer presente das piores maneiras possíveis, todos
os dias.
Hoje, 25 de novembro, Dia
Latino-Americano e Caribenho de Luta Contra a Violência à Mulher
e Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher,
precisamos dar atenção ao fato de que as mulheres sofrem violência
todos os dias. Todos os dias. Por homens, por mulheres, pela mídia,
pelo Estado, pela Igreja… Mas enquanto essas formas de violência
simbólica não tiverem importância, dificilmente poderemos
erradicar a violência física que também nos assombra diariamente.
Jully Soares é jovem
pensadora e militante feminista, negra e bissexual. Escreve no
blog Inspiração
Política & Literária.
Fonte: http://revistaforum.com.br/blog/2013/11/contra-a-violencia-fisica-e-simbolica-as-mulheres/
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