Para o filósofo Pierre Lévy, os governantes brasileiros não ouviram as ruas
Imagem: Reprodução / Twitter
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O
filósofo Pierre Lévy já falava sobre inteligência coletiva antes
mesmo da popularização da internet e da criação de comunidades
virtuais e projetos como a Wikipédia. Em 2002, oito anos antes da
Primavera Árabe, foi um dos primeiros a publicar um livro sobre
ciberdemocracia, em que dizia que movimentos poderiam organizar-se
pela web e desafiar o sistema político. A recente onda de
manifestações no Brasil empolgou o filósofo, que participou delas
pela internet, divulgando informações e palavras de ordem. “Os
protestos foram muito positivos, houve uma tomada de consciência”,
afirmou a ÉPOCA na semana passada, após participar do I Congresso
Internacional de Net-Ativismo da Universidade de São Paulo (USP).
Para
Lévy, a multiplicidade de expressões na internet enriquece a
política e permite a formação de uma esfera pública mundial. “O
monopólio das expressões públicas não existe mais. Todo mundo
está se expressando pelas redes sociais. Essa é a verdadeira
liberdade de expressão.” Mesmo com a ampla divulgação de textos
e vídeos feitos por pessoas não ligadas aos grandes grupos de
mídia, o filósofo não crê que os meios tradicionais de
comunicação desaparecerão. “As coisas se tornam mais
complexas.”
Nascido
na Tunísia em 1956 e atualmente professor da Universidade de
Ottawa, no Canadá, Lévy continua a pesquisar o poder da
inteligência coletiva. Hoje, um dos seus interesses é a
customização do processamento de dados na internet. Governos,
empresas e diferentes grupos precisarão, segundo ele, ser capazes
de organizar grandes massas de dados (o chamado big
data)
para se orientar na realidade. Nas últimas eleições americanas,
por exemplo, Barack Obama contava com uma equipe de engenheiros para
levantar, filtrar e classificar informações sobre seus eleitores
e, então, conduzir sua campanha. Lévy diz que, no futuro, todos os
jogos de poder se darão pelo mundo dos softwares.
Qual
é a sua avaliação sobre os protestos no Brasil?Eu
nasci na Tunísia, depois me tornei francês e depois me tornei
canadense. Eu sou um pouco tunisiano, um pouco francês, um pouco
canadense e também um pouco brasileiro, porque eu venho aqui há 25
anos. Venho para cá a cada três anos e tenho muitos amigos aqui.
Quando eu soube dos protestos no Brasil, que foram organizados pelas
mídias sociais, eu entrei no Twitter e participei. Eu retuitei em
português alguns temas dos protestos. Eu dei algumas entrevistas
sobre isso, mas não muitas. Há muitos anos, a internet é uma nova
ferramenta de expressão da população, uma nova forma de coordenar
movimentos sociais. Eu achei ótimo que isso estava ocorrendo no
Brasil, que também é meu país.
A
violência dos protestos prejudica seus objetivos principais?De
maneira geral, eu sou contra a violência. Jogar coquetéis molotov
nas ruas não é algo bom. E também sou contra a violência da
polícia. Existem algumas formas de mudar um governo: pode ser pela
violência, pelos meios constitucionais e pela atuação de grupos
políticos e pela liberdade de expressão. Vocês não estão
combatendo a democracia, já estão nela. É bem diferente do que
acontece nos países árabes. O que acontece aqui no Brasil não é
pela democracia, e sim contra a corrupção, para que o país tenha
melhores equipamentos e infraestrutura, melhores sistemas de saúde
e de educação. Vocês já têm democracia, mas o que está bom
para umas pessoas não está para outras.
Grandes
mobilizações têm ocorrido sem a definição de líderes e sem uma
lista unificada de demandas. É possível ter mudanças sociais
profundas dessa maneira?No
caso do Brasil, os protestos foram muito positivos, houve uma tomada
de consciência. E havia uma agenda. Eu discordo de que não há
listas de reivindicações. Houve protestos contra o aumento de
tarifas do transporte público, por mais transparência dos governos
e melhores serviços. Tem sido uma experiência muito importante e
de evolução da sociedade brasileira.
Os
governantes ouviram as vozes da população nas ruas?Uma
das principais reivindicações dos protestos foi o fim da
corrupção. Eles ouviram? A corrupção acabou? Não, eles não
ouviram.
Com
o amplo uso da internet e das redes sociais para publicar
informações, os meios de comunicação de massa estão
ameaçados?Eu
odeio a mídia tradicional [risos]. A questão do monopólio das
expressões públicas não existe mais. Todo mundo está se
expressando pelas redes sociais. Essa é a verdadeira liberdade de
expressão.
Os
grandes grupos tendem a desaparecer?Todo
o sistema se transformará e continuará a evoluir. Não existe isso
de algo desaparecer e ser substituído por outra coisa completamente
nova. Sempre surgem novas camadas, as coisas se tornam mais
complexas. Se você tem Twitter, pode ver que as pessoas estão
sempre publicando links de meios de comunicação tradicionais. E
esses meios têm blogs e também têm perfis nas redes sociais. A
mídia tradicional imita a redes sociais. E as redes sociais citam
os meios tradicionais. Dessa forma, todo o sistema se torna mais
complexo, como sempre.
A
profissão de jornalista também está ameaçada?No
século XVIII, o trabalho de milhares de pessoas era, unicamente,
carregar água. Então, porque eu quero proteger o trabalho dessas
pessoas, vou deixar de instalar encanamentos nas casas? No futuro,
iremos precisar de pessoas que são muito competentes em comunicação
em geral. Nós sempre vamos precisar delas.
Amanda
Polato
Época
Fonte:
http://www.folhapolitica.org/2013/11/para-o-filosofo-pierre-levy-os.html
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