HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
PERÍODO DA SEGUNDA
REPÚBLICA
O
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)
A
RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO GOVERNO
Na
hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância
e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe
podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional.
Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país
depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver
as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das
forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à
iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza
de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime
republicano, se der um balanço ao estado atual da educação
pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as
reformas econômicas e educacionais, que era indispensável
entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os
nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de
continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização
escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do
país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada
pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente
arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão
global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a
impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em
ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda
não em termos de serem despojadas de seus andaimes...
Onde
se tem de procurar a causa principal desse estado antes de
inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na
falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos
fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação
(aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de
educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico
e científico, na resolução dos problemas da administração
escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos
problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de
horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma
cultura universitária e na formação meramente literária de nossa
cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura própria",
nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da
"existência de um problema sobre objetivos e fins da educação".
Não se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de
pensamento em planos de reformas, nos quais as instituições
escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-las
para uma direção, o pólo magnético de uma concepção da vida,
nem se submetiam, na sua organização e no seu funcionamento, a
medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da
administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins
estabelecidos, os processos mais eficazes para a realização da obra
educacional.
Certo, um
educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de
educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve
estar tão interessado na determinação dos fins de educação,
quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não
terão necessidade de saber o que está e se passa além da janela do
seu laboratório. Mas o educador, como o sociólogo, tem necessidade
de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades
da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu
raio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em
cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do
efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a
evolução social", e a posição que tem a escola, e a função
que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que
cooperam na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que
lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte
mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto
de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos
métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um
espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero
de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou
menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e
medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos
e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos
científicos na administração dos serviços escolares.
Movimento de renovação
educacional
À luz dessas
verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que
se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com
que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de
educadores, nestes últimos doze anos, transferir do terreno
administrativo para os planos político-sociais a solução dos
problemas escolares. Não foram ataques injustos que abalaram o
prestígio das instituições antigas; foram essas instituições
criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a
que serviram de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra
elas. De fato, porque os nossos métodos de educação haviam de
continuar a ser tão prodigiosamente rotineiros, enquanto no México,
no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar na América
espanhola, já se operavam transformações profundas no aparelho
educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades
lucidamente descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda
de fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a
república, há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e os
processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de
um quartel de século? Porque a escola havia de permanecer, entre
nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio
social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte,
rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já
desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições
sociais, para estender o seu raio de influência e de ação?
Embora, a princípio, sem
diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador inaugurou
uma série fecunda de combates de idéias, agitando o ambiente para
as primeiras reformas impelidas para urna nova direção.
Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que
esses debates testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em
circulação novas idéias e transmitindo aspirações novas com um
caloroso entusiasmo. Já se despertava a consciência de que, para
dominar a obra educacional, em toda a sua extensão, é preciso
possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas
e largas, a um conjunto de idéias abstratas e de princípios gerais,
com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais
claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda
dos problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos
científicos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a
sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão científico
no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da
engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no Distrito
Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as
realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal
que, modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade.
Contra ou a favor, todo o mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma
idéia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se completam: a
força das idéias e a irradiação dos fatos.
Diretrizes
que se esclarecem
Mas, com
essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a
responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no
magistério, o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a
consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda
não se podia considerar inteiramente aberto o caminho às grandes
reformas educacionais. É certo que, com a efervescência intelectual
que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a escola a esses
ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores e se
vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da
educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos,
tanto da velha como da nova geração ainda se arrastam, porém, sem
convicções, através de um labirinto de idéias vagas, fora de seu
alcance, e certamente, acima de sua experiência; e, porque manejam
palavras, com que já se familiarizaram, imaginam muitos que possuem
as idéias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era
preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse
movimento já agora nacional, que arrastou consigo os educadores de
mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção
clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos
que tomaram posição na vanguarda da campanha de renovação
educacional, cabia o dever de formular, em documento público, as
bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo,
perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm
mantendo desde o início das hostilidades contra a escola
tradicional.
Reformas e a
Reforma
Se não há país
"onde a opinião se divida em maior número de cores, e se não
se encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo
já observou Alberto Torres, princípios e idéias não passam, entre
nós, de "bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou
simples meio de êxito pessoal ou político". Ilustrados, as
vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos bastante as
idéias para se tornarem um núcleo de convicções ou um sistema de
doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam
desencadear-se aqueles "que pensaram sua vida e viveram seu
pensamento". A interpenetração profunda que já se
estabeleceu, em esforços constantes, entre as nossas idéias e
convicções e a nossa vida de educadores, em qualquer setor ou linha
de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa atividade já
denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a
obra de reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um
triunfo fácil, mas com a serena confiança na vitória definitiva de
nossos ideais de educação. Em lugar dessas reformas parciais, que
se sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crônica de
tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política
educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em que
palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo
central da estrutura política e social da nação.
Em
cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a
falta de uma visão global do problema educativo, a força
inspiradora ou a energia estimulante mudou apenas de forma, dando
soluções diferentes aos problemas particulares. Nenhuma antes desse
movimento renovador penetrou o âmago da questão, alterando os
caracteres gerais e os traços salientes das reformas que o
precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação
educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado
então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e climatérico, ou se
o quiserdes, à linha de divisão das águas. Mas, a educação que,
no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não
pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação
extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si
mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das influências exteriores,
senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por
todas as forças organizadas de cultura e de educação. As surpresas
e os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado
psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa
obra, por um plano integral, para que ela não se arrisque um dia a
ficar no estado fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas,
inacabadas, cujos blocos enormes, esparsos ao longe sobre o solo,
testemunham gigantes que os levantaram, e que a morte surpreendeu
antes do cortamento de seus esforços...
Finalidades
da educação
Toda a educação
varia sempre em função de uma "concepção da vida",
refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é
determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente
que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada
terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção
do mundo", que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é
necessário considerar como "qualidade socialmente útil".
O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, "desenvolver
de maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o
mestre intervém para transformar, isto implica nele a representação
de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar os jovens
espíritos". Esse ideal e aspiração dos adultos toma-se mesmo
mais fácil de apreender exatamente quando assistimos à sua
transmissão pela obra educacional, isto é, pelo trabalho a que a
sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão
primordial das finalidades da educação gira, pois, em torno de uma
concepção da vida, de um ideal, a que devem conformar-se os
educandos, e que uns consideram abstrato e absoluto, e outros,
concreto e relativo, variável no tempo e no espaço. Mas, o exame,
num longo olhar para o passado, da evolução da educação através
das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real
desse ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as
tendências sociais da época, extraindo a sua vitalidade, como a sua
força inspiradora, da própria natureza da realidade social.
Ora, se a educação está
intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o
caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento
pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação
categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do
serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma
concepção vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a que
ela tem servido, a educação perde o "sentido aristológico",
para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um
privilégio determinado pela condição econômica e social do
indivíduo, para assumir um "caráter biológico", com que
ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o
indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas
aptidões naturais, independente de razões de ordem econômica e
social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos
limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua
verdadeira função social, preparando-se para formar "a
hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades",
recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas
oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e
desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o
desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das
etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção
do mundo.
A diversidade de
conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em
parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade
socialmente útil", conforme o ângulo visual de cada uma das
classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente
pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de
classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o
princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu
ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano,
de solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola
tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha mantendo
o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da
doutrina do individualismo libertário, que teve aliás o seu papel
na formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam
quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada,
reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se
considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em
geral (aquisição ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o
trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana, se
organizou para remontar a corrente e restabelecer, entre os homens, o
espírito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma
profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos
interesses de classes.
Valores
mutáveis e valores permanentes
Mas,
por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião
já se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a
carne e o sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se
rompeu nem está a pique de romper-se o equilíbrio entre os valores
mutáveis e os valores permanentes da vida humana. Onde, ao
contrário, se assegurará melhor esse equilíbrio é no novo sistema
de educação, que, longe de se propor a fins particulares de
determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações de
classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a
natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso
fazer homens, antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o
trabalho que foi sempre a maior escola de formação da personalidade
moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção
social, é o único método susceptível de fazer homens cultivados e
úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a
cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a
consciência social que nos leva a compreender as necessidades do
indivíduo através das da comunidade, e o espírito de justiça, de
renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes "valores
permanentes" que elevam a alma, enobrecem o coração e
fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? Um
vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o
"desdém pela multidão". Quer-se raciocinar entre si e
refletir entre si. Evita de experimentar a sorte de todas as
aristocracias que se estiolam no isolamento. Se se quer servir à
humanidade, é preciso estar em comunhão com ela...
Certo,
a doutrina de educação, que se apoia no respeito da personalidade
humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo,
não poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer
do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a
ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado.
"A alma tem uma potência de milhões de cavalos, que levanta
mais peso do que o vapor. Se todas as verdades matemáticas se
perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a causa da educação
integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem duvida
um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem perdesse
uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a
humanidade inteira que pereceria". Mas, a escola socializada não
se organizou como um meio essencialmente social senão para
transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as
suas manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtudes e
verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses
individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos antes
homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz insuspeita de Paul
Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos homens, e a
verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude,
resolução, que tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que
realizem em nós somente a totalidade de seus efeitos".
O Estado em face da
educação
a) A educação,
uma função essencialmente pública
Mas,
do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre
logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de
considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações,
como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado
a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. A
educação que é uma das funções de que a família se vem
despojando em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do
comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições
privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções
essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição progressiva das
atribuições da família, - que também deixou de ser "um
centro de produção" para ser apenas um "centro de
consumo", em face da nova concorrência dos grupos
profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de
interesses especializados", - fazendo-a perder constantemente em
extensão, não lhe tirou a "função específica", dentro
do "foco interior", embora cada vez mais estreito, em que
ela se confinou. Ela é ainda o "quadro natural que sustenta
socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as
tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a
entreter-se as suas aspirações para o ideal". Por isto, o
Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o trabalho da
educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva
entre pais e professores, entre os quais, nessa obra profundamente
social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as
relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas
forças sociais - a família e a escola, que operavam de todo
indiferentes, senão em direções diversas e ás vezes opostas.
b) A questão da escola
única
Assentado o princípio
do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral,
cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar
efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica,
que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos
a quem a estrutura social do país mantém em condições de
inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de
acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao
princípio da escola para todos, "escola comum ou única",
que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer
quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas
estão intimamente ligadas com a reconstrução fundamental das
relações sociais. Em nosso regime político, o Estado não poderá,
de certo, impedir que, graças à organização de escolas privadas
de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus
filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever
indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado,
quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por
um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do
monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela
sua situação financeira não está ainda em condições de assumir
a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna
necessário estimular, sob sua vigilância as instituições privadas
idôneas, a "escola única" se entenderá, entre nós, não
como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola
infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os
durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para
ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes
como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15,
todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola
pública, tenham uma educação comum, igual para todos.
c)
A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação
A
laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros
tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem
tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de
todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou
crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser
humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar
acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo
sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da
personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola
quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e
doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais
de educação é um princípio igualitário que torna a educação,
em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um
privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e
estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode
tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A
obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do
papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender
progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor,
isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na
sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração
humana sacrificam e violentam a criança e o jovem", cuja
educação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância
dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A
escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo
outras separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões
psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições
"a educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no
mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo educacional,
torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a
sua graduação.
A função
educacional
a) A unidade da
função educacional
A
consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade
e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já
penetrou profundamente os espíritos, como condições essenciais à
organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os
direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino, com
todas as suas conseqüências. De fato, se a educação se propõe,
antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser
humano, deve ser considerada "uma só" a função
educacional, cujos diferentes graus estão destinados a servir às
diferentes fases de seu crescimento, "que são partes orgânicas
de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa
formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer ao
panorama das instituições escolares perspectivas mais largas, mais
salutares e mais fecundas em conseqüências do que esse que decorre
logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção dos
alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições
criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos
estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e
professores em remuneração e trabalho, a correlação e a
continuidade do ensino em todos os seus graus e a reação contra
tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital,
constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a
aplicação do princípio unificador que modifica profundamente a
estrutura intima e a organização dos elementos constitutivos do
ensino e dos sistemas escolares.
b)
A autonomia da função educacional
Mas,
subordinada a educação pública a interesses transitórios,
caprichos pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao
Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da formação integral
das novas gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e
eficácia não estejam constantemente ameaçadas, senão reduzidas e
anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis acautelar
contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação
fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza
em suas funções biológicas. Toda a impotência manifesta do
sistema escolar atual e a insuficiência das soluções dadas às
questões de caráter educativo não provam senão o desastre
irreparável que resulta, para a educação pública, de influencias
e intervenções estranhas que conseguiram sujeita-la a seus ideais
secundários e interesses subalternos. Dai decorre a necessidade de
uma ampla autonomia técnica, administrativa e econômica, com que os
técnicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por
isto, a direção e administração da função educacional, tenham
assegurados os meios materiais para poderem realizá-la. Esses meios,
porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são
consignadas a esse serviço público e, por isto, sujeitas às crises
dos erários do Estado ou às oscilações" do interesse dos
governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá
realizar, a não ser pela instituição de um "fundo especial ou
escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas
próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no
desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do
ensino, incumbidos de sua direção.
c)
A descentralização
A
organização da educação brasileira unitária sobre a base e os
princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular
e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril
e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a
necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às
exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade
pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista,
não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina
federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar
a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de
acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em
intensidade como em extensão. À União, na capital, e aos estados,
nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação
em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova
constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e
deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central,
pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a
esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos
gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional
e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios,
facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e
intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A
unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar
sob pena de perecer como nacionalidade, se manifestará então como
uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional,
nesse regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que,
levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas despesas
escolares afim de produzir os maiores resultados com as menores
despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços
fecundos em criações e iniciativas.
O
processo educativo
O conceito
e os fundamentos da educação nova
O
desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova
educação, ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela
deve prosseguir os processos apropriados para realizá-los. A
extensão e a riqueza que atualmente alcança por toda a parte o
estudo científico e experimental da educação, a libertaram do
empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente
científico e organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda
de pesquisas e experiências, os princípios da educação nova,
pressentidos e às vezes formulados em rasgos de síntese, pela
intuição luminosa de seus precursores. A nova doutrina, que não
considera a função educacional como uma função de superposição
ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado
exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa
de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para
fora", substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e
transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o
eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação.
Considerando os processos mentais, como "funções vitais"
e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à
vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas
necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo
novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à
criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de
reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida
própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho
e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e
a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades".
Nessa nova concepção da
escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente
passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a
atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a
atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das
necessidades do próprio indivíduo. Na verdadeira educação
funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial
e inerente à sua própria natureza, o problema não só da
correspondência entre os graus do ensino e as etapas da evolução
intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da
adaptação da atividade educativa às necessidades psicobiológicas
do momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não
é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e
corporal, mas a presença, em todas as suas atividades, do fator
psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma
atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança,
adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance,
"graças à força de atração das necessidades profundamente
sentidas". É certo que, deslocando-se por esta forma, para a
criança e para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte
de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que
apresentavam os programas tradicionais, do ponto de vista da lógica
formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica
psicológica", isto é, com a lógica que se baseia na natureza
e no funcionamento do espírito infantil.
Mas,
para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a
ocasião e o meio de realizar-se", e abrir ao educando à sua
energia de observar, experimentar e criar todas as atividades capazes
de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um "mundo
natural e social embrionário", um ambiente dinâmico em íntima
conexão com a região e a comunidade. A escola que tem sido um
aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional, inteiramente
desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um organismo
vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma
comunidade palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a
escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a
comunidade as atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem
as funções predominantes da vida", é natural que ela inicie
os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com
a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma,
possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e
possibilidades. "A vida da sociedade, observou Paulsen, se
modifica em função da sua economia, e a energia individual e
coletiva se manifesta pela sua produção material". A escola
nova, que tem de obedecer a esta lei, deve ser reorganizada de
maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a
expansão das energias criadoras do educando, procurando
estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em
sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as
atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente
do progresso material e espiritual da sociedade de que proveio e em
que vai viver e lutar.
Plano
de reconstrução educacional
a)
As linhas gerais do plano
Ora,
assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação
ou processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento
integral, ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se
pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação
desses princípios importa, como se vê, numa radical transformação
da educação pública em todos os seus graus, tanto à luz do novo
conceito de educação, como à vista das necessidades nacionais. No
plano de reconstrução educacional, de que se esboçam aqui apenas
as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o
erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode chamar
sistema), caracterizado pela falta de continuidade e articulação do
ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um
mesmo processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim
particular", próprio, dentro da "unidade do fim geral da
educação" e dos princípios e métodos comuns a todos os graus
e instituições educativas. De fato, o divorcio entre as entidades
que mantêm o ensino primário e profissional e as que mantêm o
ensino secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como
já observou um dos signatários deste manifesto, "para que se
estabeleçam no Brasil, dois sistemas escolares paralelos, fechados
em compartimentos estanques e incomunicáveis, diferentes nos seus
objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de
estratificação social".
A
escola primária que se estende sobre as instituições das escolas
maternais e dos jardins de infância e constitui o problema
fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente
com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro
plano, para abrir acesso às escolas ou institutos superiores de
especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo
que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém,
subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no
mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de
preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou
científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum de
três anos. A escola secundária deixará de ser assim a velha escola
de "um grupo social", destinada a adaptar todas as
inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um
aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral
e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à variedade
dos grupos sociais. É o mesmo princípio que faz alargar o campo
educativo das Universidades, em que, ao lado das escolas destinadas
ao preparo para as profissões chamadas "liberais", se
devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada,
para as profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa
riqueza econômica e industrial. Mas esse princípio, dilatando o
campo das universidades, para adaptá-las à variedade e às
necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir
a função cultural que tende a elevar constantemente as escolas de
formação profissional, achegando-as às suas próprias fontes de
renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação
livre, de pesquisa científica e de cultura desinteressada.
A
instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação
de Alberto Torres, senão um "sistema de canais de êxodo da
mocidade do campo para as cidades e da produção para o
parasitismo". É preciso, para reagir contra esses males, já
tão lucidamente apontados, pôr em via de solução o problema
educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e
dos centros industriais já pela extensão da escola do trabalho
educativo e da escola do trabalho profissional, baseada no exercício
normal do trabalho em cooperação, já pela adaptação crescente
dessas escolas (primária e secundária profissional) às
necessidades regionais e às profissões e indústrias dominantes no
meio. A nova política educacional rompendo, de um lado, contra a
formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar
um caráter científico e técnico, e contra esse espírito de
desintegração da escola, em relação ao meio social, impõe
reformas profundas, orientadas no sentido da produção e procura
reforçar, por todos os meios, a intenção e o valor social da
escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais. A arte
e a literatura tem efetivamente uma significação social, profunda e
múltipla; a aproximação dos homens, a sua organização em uma
coletividade unânime, a difusão de tais ou quais idéias sociais,
de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a extensão
do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem
certamente à arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida
que a riqueza do homem aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez
mais fraco, os produtores intelectuais não passam para o primeiro
plano senão quando as sociedades se organizam em sólidas bases
econômicas.
b) O ponto
nevrálgico da questão
A
estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas
instituições escolares (escola infantil ou pré-primária;
primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro
grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser
humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de
toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o
conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um
apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à
receptividade mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola
infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação
primária (7 a 12) e pela secundária (l2 a 18 anos), a "continuação
ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da
personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade
produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a
aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação,
pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas
investigações científicas. A escola secundária, unificada para se
evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais,
terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a
posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância
intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências
físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em
seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos,
escolas ou cursos destinados à preparação às atividades
profissionais, decorrentes da extração de matérias primas (escolas
agrícolas, de mineração e de pesca) da elaboração das matérias
primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos
elaborados (transportes, comunicações e comércio).
Mas,
montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média
(burguesia), enquanto a escola primária servia à classe popular,
como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou
do 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que
criaram e mantêm o dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse
campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de
cultura geral e se põe o problema relativo à escolha do momento em
que a matéria do ensino deve diversificar-se em ramos iniciais de
especialização. Não admira, por isto, que a escola secundária
seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a
solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário,
levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à
interpenetração das classes sociais, se inspira na necessidade de
adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e à
variedade crescente de aptidões que a observação psicológica
regista nos adolescentes e que "representam as únicas forças
capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior".
A escola do passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral
de conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a
função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das
profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em
que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o
"método de sua aquisição", a escola moderna estabelece
para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se
diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões
e de gostos, já à variedade de formas de atividade social.
c) O conceito moderno de
Universidade e o problema universitário no Brasil
A
educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a
serviço das profissões "liberais" (engenharia, medicina e
direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação
universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais
a sua finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus
quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam
conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e
tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a
todas. Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas
em novas bases, impõe-se a criação simultânea ou sucessiva, em
cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e
econômicas; de ciências matemáticas, físicas e naturais, e de
filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e das
necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem
ou se reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações
científicas. A educação superior ou universitária, a partir dos
18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato,
não somente à formação profissional e técnica, no seu máximo
desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os
ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira
que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de
elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou
transmissora de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou
popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das
ciências e das artes.
No
entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema
nervoso da Universidade", que estimula e domina qualquer outra
função; com ser esse espírito de profundidade e universalidade,
que imprime à educação superior um caráter universitário,
pondo-a em condições de contribuir para o aperfeiçoamento
constante do saber humano, a nossa educação superior nunca
ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a
que se propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito.
Nessas instituições, organizadas antes para uma função docente, a
ciência está inteiramente subordinada à arte ou à técnica da
profissão a que servem, com o cuidado da aplicação imediata e
próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função
pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam
facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração,
mais variada e mais vasta do que no império, é hoje, na frase de
Alberto Torres, "mais vaga, fluida, sem assento, incapaz de
habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes inspirar
atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de
uma educação secundária sólida, posto que exclusivamente
literária, se deixou infiltrar desse espírito enciclopédico em que
o pensamento ganha em extensão o que perde em profundidade; em que
da observação e da experiência, em que devia exercitar-se, se
deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e para a ciência
feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à
erudição, e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem
substância, dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a
absoluta falta de solidez de conhecimentos.
Nessa
superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas,
cujas opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das
tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas
profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da
indisciplina mental, quase anárquica, que revelamos em face de todos
os problemas. Nem a primeira geração nascida com a república, no
seu esforço heróico para adquirir a posse de si mesma, elevando-se
acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos os males educativos
de que se viciou a sua formação. A organização de Universidades
é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que
só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais
políticos, sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse
intensivo espírito comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas,
esse "estado de ânimo nacional", capaz de dar força,
eficácia e coerência à ação dos homens, sejam quais forem as
divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de
pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a
universidade, no conjunto de suas instituições de alta cultura,
prepostas ao estudo científico dos grandes problemas nacionais, que
nos dará os meios de combater a facilidade de tudo admitir; o
ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta
de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno
das idéias; a ignorância "da mais humana de todas as operações
intelectuais, que é a de tomar partido", e a tendência e o
espírito fácil de substituir os princípios (ainda que provisórios)
pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados.
d)
O problema dos melhores
De
fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as
instituições educativas, está destinada, nas sociedades modernas a
desenvolver um papel cada vez mais importante na formação das
elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores,
de que elas precisam para o estudo e solução de suas questões
científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o
problema fundamental das democracias é a educação das massas
populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar
o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo
conceito de educação repele as elites formadas artificialmente "por
diferenciação econômica" ou sob o critério da independência
econômica, que não é nem pode ser hoje elemento necessário para
fazer parte delas. A primeira condição para que uma elite
desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser "inteiramente
aberta" e não somente de admitir todas as capacidades novas,
como também de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os
indivíduos que não desempenham a função social que lhes é
atribuída no interesse da coletividade. Mas, não há sociedade
alguma que possa prescindir desse órgão especial e tanto mais
perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e selecionada
for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de homens,
de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a
variedade dos problemas que põe a complexidade das sociedades
modernas. Essa seleção que se deve processar não "por
diferenciação econômica", mas "pela diferenciação de
todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a
ação biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se,
mas nem sequer realizar-se senão pela obra universitária que,
elevando ao máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas
aptidões naturais e selecionando os mais capazes, lhes dá bastante
força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar, dessa
forma, a consciência social.
A
unidade de formação de professores e a unidade de espírito
Ora, dessa elite deve fazer
parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao qual,
escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função pública
da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a
educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele,
entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer
preparação profissional, como os professores do ensino secundário
e os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre
os profissionais dessas carreiras, que receberam, uns e outros, do
secundário a sua educação geral. O magistério primário,
preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais
propedêutico, e, as vezes misto, com seus cursos geral e de
especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses
estabelecimentos, de nível secundário, nem uma sólida preparação
pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-se. A
preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de
maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como se a
função educacional, de todas as funções públicas a mais
importante, fosse a única para cujo exercício não houvesse
necessidade de qualquer preparação profissional. Todos os
professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá
nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto, formar
o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos
universitários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível
superior e incorporadas às universidades. A tradição das
hierarquias docentes, baseadas na diferenciação dos graus de
ensino, e que a linguagem fixou em denominações diferentes (mestre,
professor e catedrático), é inteiramente contrária ao princípio
da unidade da função educacional, que, aplicado, às funções
docentes, importa na incorporação dos estudos do magistério às
universidades, e, portanto, na libertação espiritual e econômica
do professor, mediante uma formação e remuneração equivalentes
que lhe permitam manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e
o prestígio indispensáveis aos educadores.
A
formação universitária dos professores não é somente uma
necessidade da função educativa, mas o único meio de,
elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre
todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da
obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental
comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se
o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação
da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação
unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que
estão incumbidos de transmití-la. Nós não temos o feiticismo mas
o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível senão
quando se criou esse "espírito", esse "ideal comum",
pela unificação, para todos os graus do ensino, da formação do
magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus,
imprimiria mais lógica e harmonia às instituições, e corrigiria,
tanto quanto humanamente possível, as injustiças da situação
atual. Os professores de ensino primário e secundário, assim
formados, em escolas ou cursos universitários, sobre a base de uma
educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação
secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino
superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças
vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que
guardariam a sua função específica, se estabeleceriam contatos
estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos
precisos, descobrindo as superioridade em gérmen, pondo-as em
destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a unidade do
espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.
O papel da escola na vida
e a sua função social
Mas,
ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança
começaram a dar à educação bases científicas, os estudos
sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos
trouxeram uma consciência mais nítida da sua função social e da
estreiteza relativa de seu círculo de ação. Compreende-se, à luz
desses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é
um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas
"uma instituição social", um órgão feliz e vivo, no
conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem
a criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os
interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação,
porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou
contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis
que concorrem ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e
variadíssimas, são, de fato, as influências que formam o homem
através da existência. "Há a herança que a escola da
espécie, como já se escreveu; a família que é a escola dos pais;
o ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de todas
as escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças
incalculáveis". Compreender, então, para empregar a imagem de
C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona luminosa é singularmente
mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação
consciente que são as escolas, não são senão pontos na noite, e a
noite que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante;
não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma
floresta povoada".
Dessa
concepção positiva da escola, como uma instituição social,
limitada, na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das
forças que concorrem ao movimento das sociedades, resulta a
necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo,
aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe
alargar os limites e o raio de ação. As instituições
periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de
assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de
organização escolar para corrigirem essa insuficiência social,
cada vez maior, das instituições educacionais. Essas instituições
de educação e cultura, dos jardins de infância às escolas
superiores, não exercem a ação intensa, larga e fecunda que são
chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto
sistemático de medidas de projeção social da obra educativa além
dos muros escolares. Cada escola, seja qual for o seu grau, dos
jardins às universidades, deve, pois, reunir em tomo de si as
famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos
pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que
mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu
proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais
da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e
o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a
imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na
obra da educação.
Pois, é
impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra
educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero
possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de
que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo a comunidade como à
fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários
para elevar as condições materiais e espirituais das escolas. A
consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o
dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais,
como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que
o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra
solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de
atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no
sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve
utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os
recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio,
com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de
educação e cultura e que assumem, em face das condições
geográficas e da extensão territorial do país, uma importância
capital. À escola antiga, presumida da importância do seu papel e
fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável
complemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se
sucederá a escola moderna aparelhada de todos os recursos para
estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social,
em que então, e só então, se tornará capaz de influir,
transformando-se num centro poderoso de criação, atração e
irradiação de todas as forças e atividades educativas.
A
democracia, - um programa de longos deveres
Não
alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem
que apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande
alcance e de tão vastas proporções. Mas, temos, com a consciência
profunda de uma por uma dessas dificuldades, a disposição obstinada
de enfrentá-las, dispostos, como estamos, na defesa de nossos ideais
educacionais, para as existências mais agitadas, mais rudes e mais
fecundas em realidades, que um homem tenha vivido desde que há
homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o informa de
uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases
científicas, e que seria, em outros países, a maior fonte de seu
prestígio, tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o
pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação,
no terreno de uma política empírica, à margem das correntes
renovadoras de seu tempo. De mais, se os problemas de educação
devem ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não tem
pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as
latitudes, a obra de educação deve ter, em toda a parte, uma
"unidade fundamental", dentro da variedade de sistemas
resultantes da adaptação a novos ambientes dessas idéias e
aspirações que, sendo estruturalmente científicas e humanas, têm
um caráter universal. É preciso, certamente, tempo para que as
camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral sejam
tocadas pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante
e fecundo para lhe modificar os pontos de vista e as atitudes em face
do problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo
ou por partes de todas as grandes aspirações que constituem a
substância de uma nova política de educação.
Os
obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão
abater-nos a resolução firme de trabalhar pela reconstrução
educacional no Brasil. Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis
à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos
e prevenções enraizadas, caminharemos progressivamente para o termo
de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das realidades, mas sem
perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do Brasil, na
base de uma educação inteiramente nova. A hora crítica e decisiva
que vivemos, não nos permite hesitar um momento diante da tremenda
tarefa que nos impõe a consciência, cada vez mais viva da
necessidade de nos prepararmos para enfrentarmos com o evangelho da
nova geração, a complexidade trágica dos problemas postos pelas
sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito.
Devemos, antes de tudo proporcionar-nos um espírito firme e seguro;
chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver
frivolamente e como envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios
fixos e inabaláveis que sirvam para regular, de um modo firme, todos
os nossos pensamentos e todas as nossas ações; vida e pensamento
devem ser em nós outros de uma só peça e formar um todo penetrante
e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um caráter, e refletir,
pelo movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes
acontecimentos de nossos dias, sua relação conosco e o que podemos
esperar deles. É preciso formar uma opinião clara e penetrante e
responder a esses problemas sim ou não de um modo decidido e
inabalável".
Essas
palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há
mais de um século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena,
o caminho de sua salvação pela obra educacional, em um daqueles
famosos "discursos à nação alemã", pronunciados de sua
cátedra, enquanto sob as janelas da Universidade, pelas ruas de
Berlim, ressoavam os tambores franceses... Não são, de fato, senão
as fortes convicções e a plena posse de si mesmos que fazem os
grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos
princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de
fundas transformações no regime educacional: as únicas revoluções
fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e é
só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um
princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá
transformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de
solidariedade social e de espírito de cooperação. "O ideal da
democracia que, - escrevia Gustave Belot em 1919, - parecia mecanismo
político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que
parecia coisa feita e realizada revelou-se como um caminho a seguir e
como um programa de longos deveres". Mas, de todos os deveres
que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e
justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é possível
transigir sem a perda irreparável de algumas gerações; aquele em
cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas
conseqüências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever
mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o da educação
que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a
força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua
a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a
consciência humana.
Fernando de Azevedo
Afranio
Peixoto
A. de Sampaio Doria
Anisio Spinola Teixeira
M.
Bergstrom Lourenço Filho
Roquette Pinto
J. G. Frota Pessôa
Julio de Mesquita Filho
Raul Briquet
Mario Casassanta
C.
Delgado de Carvalho
A. Ferreira de Almeida Jr.
J. P.
Fontenelle
Roldão Lopes de Barros
Noemy M. da Silveira
Hermes Lima
Attilio Vivacqua
Francisco Venancio Filho
Paulo Maranhão
Cecilia Meirelles
Edgar Sussekind de
Mendonça
Armanda Alvaro Alberto
Garcia de Rezende
Nobrega
da Cunha
Paschoal Lemme
Raul Gomes.
Fonte: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm